Fernando Costa
Atualizado: 23 de mar. de 2021
Em um significado holístico de toda a vida Fernando Costa cria um rico tesouro de visões e conhecimento enciclopédico em um enlace multicultural dos reinos espirituais da natureza permanente da humanidade na forma de arte.Suas pinturas coloridas e complexas são visões que ajudam a entender o valor dos seres humanos, animais, das próprias plantas, e muitas outras formas e entidades não-manifestadas. Para conhecer mais sobre o artista Fernando Costa nos acompanhe na entrevista exclusiva a seguir:
B: Caramba são tantas perguntas, por onde começar, você é Brasileiro, mas onde foi que você nasceu? Você poderia compartilhar um alguma arte que você fez na infância e na juventude com a gente?
FC: Oi Rodrigo, saudações aos organizadores e organizadoras da Bienal de Cultura Psicodélica e Arte Visionária. É um prazer imensurável esse contato com vocês após anos admirando o vosso trabalho.
Assim, eu nasci em 27/05/1979 no centro histórico de Salvador (Praça da Sé), em uma família de policiais, meu pai era chefe de departamento da polícia civil e minha mãe era secretária de estatística da PM/Ba.

O lugar onde nasci era e infelizmente ainda é caracterizado por muita delinquência e degradação, mas o fato de eu ter nascido lá me deu uma certa proteção e no fim das contas a minha família me deu os recursos necessários pra evitar cair na delinquência ao contrário da maioria dos meus amigos de infância.
Agora não disponho de obras da minha infância mas o meu primeiro e segundo graffit foram feitos em 96 e 97 e geraram repercussão na cidade, no segundo fui preso, torturado e exposto pela imprensa como criminoso. Aos 19 após a morte de minha mãe eu fui viver no litoral norte da Bahia ao lado de um templo de ayahuasca nas Dunas de Abrantes e lá 5 anos depois eu conheci minha esposa italiana e então me transferi pra Itália em 2004 onde vivo atualmente.
B: Foi algo politizado que você fez e foi preso? Que momento mais intenso. FC: Eu desde muito jovem sempre misturei política e espiritualidade porque acredito que a dimensão social externa que vivemos é um reflexo do nosso interior coletivo e pra mudar fora temos que mudar por dentro.
Naquele tempo eu frequentava sessões espíritas e reuniões anarquistas e tinha a arte como válvula de escape.

Era 27 de julho de 1997 em um domingo, eu e Fábio Bob meu colega do 2°ano de desenho técnico, saímos de manhã pra grafitar, escolhemos uma cortina de contenção de encostas na região do dique do Tororó em Salvador que por sinal estava sujo com propagandas do prefeito Imbassay.
Limpamos o muro, levamos umas 3 horas pintando, passaram os pedestres, a PM, a Civil e até então ninguém disse nada, em um instante parou um x9 (polícia secreta) do prefeito e com arma em mãos, nos algemou, jogou no porta malas do carro e anunciou no rádio pro colega que chegou em seguida e começaram a tortura.
Ele tinha comentado pelo rádio que iriam nos incendiar na periferia da cidade, quando a delegacia interceptou a conversa e impôs a eles de levar-nos pra a delegacia mais próxima, sem alternativa eles nos levaram pra a 1a delegacia onde os jornais fizeram uma matéria terrível em um julgamento sumário que arruinou nossas vidas a partir do dia seguinte.
O graffiti que tinha feito era um rosto com os olhos fechados e o terceiro olho aberto. O delegado mandou embora os x9 e nos ouviu, foi ao local, fez fotos com sua equipe, nos interrogou e em seguida me disse que tinha viajado pelo mundo e que apreciava Street Art e que não via nada de mau ainda mais porque ao redor do graffiti era tudo sujo. Por isso não nos processou e disse de ter cuidado com os x9.
B: Já são 16 anos morando na Europa, o que você pode contar pra gente em relação a recepção da comunidade Italiana para a arte em geral? Foi preso mais alguma vez por fazer arte? FC: No Brasil tem se a ilusão de que aqui tudo é mais fácil, mas na prática a Europa continua a ser o velho mundo, o mercado se divide em arte clássica e moderna sendo que é tudo controlado por uma classe que quase sempre dá mais importância ao artista morto que ao vivo, é um mercado cheio de não artistas querendo ganhar muito dinheiro em cima de quem realmente faz arte, na maioria das vezes o artista tem que pagar pra expor sem nenhuma garantia de um retorno.
Infelizmente me parece que em todo o mundo a arte é dominada por “panelinhas” (máfias).
Mas um visionário transcende qualquer obstáculo, meu público é underground, psy trance, exotericos, gente que está conectada com a natureza e a flor da vida. Na prática eu sempre fiz arte mas sempre trabalhei em inúmeras coisas e isso é muito bom porque me dá um contato direto com o mundo social pois pra um visionário é muito fácil se isolar e perder o contato com a realidade.
Nunca mais fui detido, nesse caso por exemplo foi uma detenção arbitrária e não fui fichado. O Brasil sempre foi assim, só que agora temos um presidente que não esconde o quanto a política brasileira é podre.
B: Você tem alguma cor, álbum de música, animal ou filme que você prefere? Indica algo pra gente curtir com você!
FC: A minha cor preferida é verde esmeralda, o meu álbum preferido fica bem difícil de te dizer porque eu adoro música e de vários estilos diferentes, mas vou citar alguns aqui:
“In search of water” Midimal (Psy Trance)
“Buried again” Dreadful Shadows (Dark Metal)
“Return to innocence” Enigma (New Age)
Adoro todas as formas de vida em particular os animais silvestres, talvez o “mico sagui” seja o animal mais incrível e lindo que eu gosto. Um filme que marcou minha vida foi “Nosso Lar” espírita, só pra citar um entre tantos.
B: E nas Belas Artes, quais artistas te motivaram a continuar?
FC: A princípio eu gostava de Dalí mas deixei de apreciá-lo depois de saber que ele era amigo e cúmplice do ditador sanguinário espanhol Franco.

Com certeza Hieronymus Bosch é um dos maiores de todos os tempos, curto muito Arte antiga Egípcia, Hindu, Africana, Azteca, Maia, Inca e acho uma grande pena que os europeus diminuíram esse grande legado artístico se pondo como os precursores da arte na história. Atualmente admiro Alex Gray (USA) , Alfredo ZAGACETA (Peru), Ernst Fux (Áustria), H. R. Ghiger (Suíça) entre outros tantos.
B: Caramba não sabia essa do Dalí, estima-se que no minimo 200mil pessoas foram assassinadas pelo ditador Franco, tem aquela máxima ”ou foi o povo branco europeu que fez ou foram alienígenas”, parece um negacionismo histórico das formas de interpretar e manifestar a vida, será que o Brasil ainda sofre essas ondas de negação?
FC: O Brasil é um crime social e ecológico. Que finge ser uma república democrática, um sub-continente maravilhoso colonizado à base de genocídio e escravidão, 520 anos depois continuamos a nos comportar como no início. Lógico que “mesmo assim” é o melhor país do mundo pra quem nasceu e viveu lá. Nunca tinha pensado em morar no exterior e hoje 16 anos fora, sonho em voltar pra minha casa. É possível amar o Brasil sem ser um patriota cego, as mudanças que reivindicamos devem ser conquistadas dentro de cada um, como dizia Raul Seixas “tem que ter cultura pra cuspir na estrutura”.
B: Suas obras são grandes imersões, visões complexas e inspiradoras. Sua arte sempre foi assim? Existiram momentos que transformaram a forma como você queria manifestar sua criatividade?

FC: A princípio eu fazia desenhos macabros: demônios, morte, fantasmas e etc.
Durante a doença de minha mãe entre 97 e 98 cheguei ao pico desta fase pra em 99 mudar completamente após as minhas primeiras experiências com o chá (ayahuasca). Foi um processo muito delicado pois passei a viver só próximo ao templo, onde havia muita floresta, lagos, dunas e apenas dois vizinhos a centenas de metros de distância. Estava me liberando do vício do álcool e das influências negativas que me levavam à depressão. Dali em diante minha arte se transformou em cores, luz, esoterismo e boas vibrações. Essa de perder a mãe é algo mesmo dolorido, desejo muito conforto para seu coração. Apesar do tempo, desejamos que o carinho dela seja parte também das suas mãos.
B: Você está trabalhando em algo novo? Nos conte como está seu contemporâneo visionário!
FC: Estou sempre desenvolvendo algo novo, sempre desenhando, durante o período da pandemia covid 19 eu produzi várias obras como “Baphomet”, “Chimera” e “Tatwas” (visíveis no meu perfil Facebook adicionaremos fotos), acabei de começar um desenho sobre a África que está em fase de preparação.
B: Sobre o novo trabalho sobre a África, como estão os seus sentimentos enquanto você faz este resgate ancestral? O que você tem sentido, pensado?
FC: Todo conhecimento que um não africano pode ter sobre a África é nada se não for fruto do contato direto com o africano em si, embora tenha pouco acesso à história existem várias fontes provenientes do continente negro como Cheik Anta Diop que contam um versão muito diferente e mais convincente do que a versão eurocêntrica. Por exemplo poucos sabem que existiu um dos maiores impérios do mundo reunindo uma imensa extensão de território africano sobre o domínio Mandinca, desconhecem nomes como Sunjata Keita ou Musa Mansa que foi o imperador.
A cultura rasta por exemplo, na verdade Rastafari foi o regente de Zauditú que era a rainha da Etiópia. As tranças rasta ou dreadlocks derivam do movimento de liberação do Quênia, os guerreiros Maumau que em uma luta desigual conseguiram a independência de o império inglês. É muita história e sendo eu descendente de africanos deportados e escravizados ainda sinto o peso das correntes e desejo de reparação.
B: Quais são as tecnologias e equipamentos você utiliza hoje para produzir? FC: Geralmente uso canetas esferográficas pra desenhar, aerógrafo para pintar mural e a gravuras em metal (água forte e água tinta).
Mas a completar minha expressão artística é a Capoeira, o Chi Kung (taoismo) e o malabarismo de fogo.
B: O que é psicodelia para você?
FC: É o estado elevado da mente, contato com a consciência cósmica, união com a alma universal.
B: Arte e a espiritualidade? São coisas distintas ou conectas?
FC: Pra mim são uma coisa só e através da arte se refina o espírito, a mente e o corpo.
B: O que você acha sobre o uso de substâncias psicoativas e enteógenas? A experiência espiritual e acesso a mirações já foi possível a você? Você acha que somente através de substâncias podemos conhecer estas estados não-ordinários de consciência?
FC: Acho que seja o tipo de experiência mais incrível que um ser humano pode ter após haver explorado o campo físico.
Mudou a minha vida e sou muito feliz de ter feito esse tipo de experiência no momento certo, com as pessoas certas. Na verdade as experiências psicodélicas podem ser obtidas de várias formas, inclusive não necessariamente através de substâncias psicoativas. Eu pessoalmente encontrei nos exercícios do Chi Kung uma válida forma de alcançar um perfeito estado de equilíbrio entre mente, corpo e espírito, mas em algumas sempre mais raras situações, faço uso de Rapé, Yagé, Salvia, Cannabis indica ou sativa, vinho e mescalina.
B: Você acha que o acesso a experiências visionárias mudou quais aspectos de sua vida?
FC: Me conectou com o universo e isso me faz sentir um com o todo, me faz perdoar com mais facilidade, evitar de ferir e ferir-me, compreender e saber exprimir-se.
Me revelou a minha missão como visionário de transmitir ao meu público essa visão animista que nos une e da criatividade.
B: Como podemos nos manter criativos? Tem alguma técnica de arte que você poderia compartilhar para inspirar a gente?
FC: Ótima pergunta, em primeiro lugar o desenho livre, acredito que o Chi Kung é o caminho mais fácil e imediato para alcançar o equilíbrio pessoal, através da postura, respiração e de movimentos harmônicos que nos conecta com o nosso lado criativo e assim podemos exprimir o nosso melhor lado através da arte seja na música, na pintura, escrita e etc.

Mais eu aconselho a cada um de buscar experiências com as plantas de poder, lembrando que cada uma provoca uma experiência diferente e não são nunca iguais, variando de experiência em experiência. O importante é buscar fazer com pessoas de confiança, experientes e sérias pra garantir que será uma boa experiência.
B: Você acha que a arte global precisa de uma renascença? FC: Precisa sim mas existe um interesse em manter a mediocridade, acho inclusive que as artes visuais são o campo mais sabotado no meio das artes. A saída é fazer de forma underground. Nós somos a nossa alternativa e juntos somos um movimento paralelo.
B: O que é a arte visionária para você?
FC: É expressar visões exotericas obtidas em estado de transe que geralmente não podem ser expressas com palavras.
É um movimento que traz à luz da nova era conteúdos revolucionários de caráter espiritual que tendem a produzir mudanças positivas no nosso mundo.
B: Entre Itália e Brasil quais festivais, coletivos você já teve contato? FC: No Brasil fui aos festivais e raves do Soononmoon (coletivo psy trance) Curare, Sylex, Aurora, Tsunami… Mas faz tempo.
Aqui na Itália fui a 3 Sônica, Blackmon, Dream catchers, Imaginária…
Sempre lindo expor em festivais. Adoro! (BOOKING psicolab@bicpsi.art.br – +55 19 984-0800-77)
B: Em uma conversa nossa uma vez você me disse que “Uma revolução silenciosa e psicodélica” está acontecendo. Me marcou muito essa ideia de em nosso íntimo ver que revoluções são possíveis. Em meio a essa Babel moderna de linguagens humanas e computacionais, existem linguagens, sons, caminhos para essa forma de revolução?
FC: Os filhos dos militares, políticos, empresários estão tomando lsd, buscando conhecer ayahuasca, vivendo experiências místicas e naturalmente si rebelando contra o modelo opressor insustentável que seus pais os impõe.
Hoje todo mundo usa substâncias pra ficar bem, na verdade o ser humano sempre conviveu em simbiose com as plantas e a natureza, agora chegamos ao ponto em que quase todos temos acesso a qualquer substância conhecida e graças a isso está acontecendo um verdadeiro salto quântico no modo de vivermos. Do primitivo ao futurista, temos tudo à nossa disposição
B: Pra encerrar, em poucas palavras o que você quer passar para as pessoas através da sua arte?
FC: Na verdade a minha intenção é entender o meu subconsciente e de alguma forma materializar em síntese as minhas viagens astrais no plano cósmico. Ou seja é um processo muito individual que no fim das contas ajuda outras pessoas a entender a si mesmas e encontrar inspiração pra viver e trabalhar a própria sensibilidade e criatividade.